Você condenaria?
Elias Mattar Assad
Na Polícia Federal da rua Ubaldino do Amaral, em Curitiba, há algum tempo, ao cumprimentar, perguntei para um Delegado como estavam as coisas, e fui premiado com algo que prometi um dia registrar. Narrou-me que estava, mais uma vez, com uma investigação envolvendo “falso testemunho” junto a Justiça do Trabalho, e que aquelas condutas eram mais comuns do que se podia imaginar. Assim, juízes quando concluíam pela falsidade encaminhavam expedientes para que os inquéritos fossem instaurados e após, enviados para a Justiça. Segundo o delegado interlocutor, naquele dia, toda uma triste realidade, antes não percebida, saltou-lhe aos olhos, pois, atendendo intimação, teria comparecido para ser interrogada uma senhora e, após qualificação, foi ele indagando: “a senhora está sendo acusada de falso testemunho perante a Justiça do Trabalho, crime previsto no artigo 342 do Código Penal, com pena de um a três anos e multa. Isto é verdadeiro?” E a mulher respondeu-lhe: “não menti, senhor…” e o delegado: “tem documento… a senhora compareceu perante o juiz do trabalho como testemunha da empresa e declarou…” Ela reafirmou: “não menti… apenas disse a verdade do meu patrão…” “Como assim?” “Antes da audiência, fui chamada na empresa e me colocaram vários papéis para olhar, a respeito do processo trabalhista, e explicaram que deveria eu declarar nesse sentido aí…” “… e o juiz entendeu que a senhora fez afirmação falsa…” “Repito doutor que não menti, apenas disse a verdade do meu patrão…”
O delegado, naquele momento, proferiu um verdadeiro sermão para a infeliz mulher, tentando fazê-la ver que não existe uma “verdade do patrão” e outra “verdade do empregado”, como ela estava tentando retratar. Quando a mulher detona novamente: “A verdade do empregado é receber o que pensa que tem direito e até mais do que isto… A verdade do patrão é não pagar nada disto…” O delegado pondera: “isto não quer dizer duas verdades senhora…” E a mulher interrompe o raciocínio: “o senhor não está entendendo doutor… existe uma terceira verdade!” O delegado neste momento, quase desistindo do diálogo, diz irritado: “uma terceira verdade? Não bastam duas!” E a mulher arremata: “a verdade do empregado… a do patrão… e… a minha verdade…” “Afinal, qual é essa sua verdade?” “A minha verdade doutor é que eu tenho uma família para sustentar, um emprego para preservar e um mercado para fazer todos os meses…”
O poder sobre a subsistência de uma pessoa, é um poder sobre a sua vontade! Você condenaria essa desditada mulher? Tenho que a testemunha não “mentiu” simplesmente. O problema é que ninguém foi hábil no momento certo para captar essas “três verdades…”
(escrita em 2004)