O brasileiro nunca ouviu tanto a expressão “excelência” como nos
recentes e macabros festivais das Comissões Parlamentares de Inquéritos. Isso
ainda, com a agravante de ser acompanhada de preciosidades como: “vossa
excelência é um corrupto…” ou “vossa excelência tem um passado duvidoso…”. Os que recorreram aos dicionários ficaram ainda mais confusos
quando se depararam com o sentido literal do termo. Vejamos Aurélio:
SEMENTES DE NOVAS TESES… 231
“[Do lat. excellentia] s. f. 1. Qualidade de excelente; primazia. 2. Tratamento
das pessoas de alta hierarquia social, dado também a senhoras. [Abrev., nesta
acepç.: Exª.] 3. Bras. Cantiga de velório em uníssono, sem acompanhamento
instrumental: ‘Até o dia amanhecer ainda cantavam benditos e excelências,
que falavam no Padre Cícero.’ (Adalberon Cavalcanti Lins, Curral Novo,
p. 38.) [Var. (bras., N.E., pop.), nesta acepç.: incelência.] Por excelência. 1. No
grau mais alto; com primazia; acima de tudo: É escritor por excelência…”.
No Dicionário de Sinônimos (Francisco Fernandes e Celso Pedro Luft) encontramos ainda: “superioridade, sublimidade, primor, primazia. Por excelência:
no mais alto grau”.
Não apenas nos poderes legislativo ou executivo que antigas normas
impõem esse dever de tratamento. No judiciário, os magistrados são chamados
de “excelência”. Porém, não acredito no “termo pelo termo”, como se fosse
automático e obrigatório (espécie de “continência” compulsória que os militares prestam perante seus superiores). Deve ter derivado, nos primórdios, de
uma imposição maior que o mero e formal tratamento. Seria razoável chamarmos um vinho, quase vinagre, de excelente? Nossos antepassados nos legariam uma coisa incompreensível destas de “institucionalizar uma falsidade”?
Interpretando razoavelmente esse instituto sedimentado pelos costumes, conclui-se que quando as normas determinam tratamento de excelência
para essas pessoas detentoras de cargos públicos, se voltam a exigir delas que
tudo façam para merecerem tal tratamento, procurando ter excelente educação,
reputação, atitudes, relacionamento público, iniciativas, etc., dando enfim o
que de melhor existe no ser humano no desempenho dessas relevantes funções.
Um termo que, em nosso idioma, vem servindo de vocativo para as
melhores pessoas da sociedade, está rumando ao pejorativo. Não cuidemos (e
também da conduta daqueles a quem delegamos poder) e em breve será
“antônimo dele próprio”, espécie de “vossa corrupcência…”.
Escrita em 02/10/2005